Dr. Carlos Uebel, cidadão do mundo
Por Dr. Henrique Radwanski e Lilian Mallagoli
Nascido em São Leopoldo, RS, Dr. Carlos Uebel graduou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1972. Depois de realizar sua Residência em Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica em Porto Alegre, veio para o Rio de Janeiro fazer sua Pós-Graduação no Serviço de Cirurgia Plástica do Professor Ivo Pitanguy. Em 2006, finalizou Doutorado em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da PUCRS - sua tese, desenvolvida e defendida na própria instituição, descreve o uso de células tronco na cirurgia da calvície, melhorando a pega e o crescimento dos microimplantes capilares.
Nas últimas décadas, consolidou sua carreira também na Alemanha, ocupou o cargo de presidente da regional do Rio Grande do Sul da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), foi diretor de vários departamentos da SBCP e Presidente Mundial da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS). Viajou o mundo, operando e ensinando, e consolidou a técnica das megasessões com os microimplantes capilares.
Possui um expressivo número de publicações científicas reconhecidas internacionalmente no campo da cirurgia plástica estética e reparadora, com ênfase na cirurgia do contorno corporal, da face e da calvície, tendo recebido os prêmios Raymond Villar da Sociedade Americana e o Platinum Follicle da Sociedade Internacional de Restauração Capilar ISHRS.
Atua desde 1997 como Professor do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Lucas da PUCRS, onde exerceu a chefia de 2015 a 2018. É cirurgião plástico do Hospital São Lucas, do Hospital Moinhos de Vento e Diretor da Clínica de Cirurgia Plástica Uebel.
Casado com a Profa. Enf. Walderez Uebel, tem dois filhos e cinco netos. Aproveitando sua passagem pelo Rio de Janeiro em decorrência do 8º Congresso de Restauração Capilar da ABCRC, concedeu esta entrevista ao O Folículo.
O Folículo - Conte-nos como foi sua trajetória entre sair de uma cidade no Rio Grande do Sul e parar no Rio de Janeiro fazendo pós-graduação em cirurgia plástica.
Dr. Carlos Uebel - Em 1976, eu tinha terminado minha residência em Cirurgia Plástica, com o Dr. Antônio Estima.
Vim para o Rio de Janeiro fazer minha pós-graduação com o Professor Ivo Pitanguy e fiquei dois anos na cidade. Comigo, veio a minha esposa, Walderez, que era Enfermeira e fez mestrado em Saúde Pública na UFRJ.
Esses dois anos foram cheios de vivências extraordinárias, em que conheci os mais recentes avanços da cirurgia plástica e também vários colegas do Rio e de outros países.
O Folículo - No Rio, houve um rico intercâmbio entre o senhor e colegas da Alemanha. Como foi essa experiência e como começou esse contato?
Dr. Carlos Uebel: Em 1977, chegou à clínica do Professor o Dr. Peter Pohl, cirurgião alemão de Berlim que veio fazer um estágio. Sabendo que eu falava alemão, Prof. Pitanguy pediu que eu acompanhasse esse colega de Berlim nas várias aulas e cirurgias durante sua estadia no Rio.
Depois de cinco meses, Dr. Peter retornou a Berlim e convidou para visitá-lo e operar em sua clínica. E aí surgiu esta oportunidade de me associar a ele, e juntos iniciar um programa que duraria muitos anos. Berlim, na época, só tinha seis cirurgiões plásticos - é um paradoxo porque, naquela cidade onde praticamente foi criada a cirurgia plástica, nas décadas de 1920 e 1930, não tinha cirurgiões atualizados com as modernas técnicas de cirurgia plástica, principalmente as estéticas.
A clínica do Dr. Peter foi um sucesso. Nós operávamos uma média de 2 a 3 pacientes por dia; eu retornava cerca de quatro vezes ao ano a Berlim e ficava lá duas semanas, e isso ocorreu por uns 20 anos. Depois, passei a ir menos - duas a três vezes por ano durante os 36 anos seguintes.
Hoje sou Membro Honorário da Sociedade Alemã de Cirurgia Plástica e detentor de sua insígnia Höhlernadel - a mais alta condecoração da Alemanha.
Além desse contato, também tive a oportunidade de conhecer outros médicos na Clínica Pitanguy, que vinham visita-lo dos Estados Unidos, da Europa, do Oriente e da América do Sul e assistir suas técnicas cirúrgicas. O Professor recebia a todos com muita atenção e se expressava em vários idiomas como inglês, alemão, francês, italiano, espanhol – tinha esta habilidade e dotado de uma extraordinária cultura sabia dialogar em vários assuntos deixando todos à vontade e perplexos com seu vasto conhecimento. O Rio de Janeiro naquela época era uma cidade de grande glamour. Tinha um ambiente cultural muito intenso, com teatros, cinemas, shows, restaurantes e a Escola Ivo Pitanguy estava inserida neste contexto maravilhoso.
Depois disso, voltei para o Rio Grande do Sul, onde eu e minha esposa começamos a atuar, ela como professora da Faculdade de Enfermagem e eu como médico do Hospital Moinhos de Vento e do Hospital da PUC de Porto Alegre.
O Folículo - Como o sr. iniciou a sua larga experiência na cirurgia de restauração capilar e quais foram os seus mentores? Onde adquiriu suas práticas?
Dr. Carlos Uebel - Em 1977, o Professor Pitanguy me chamou, pois estaria vindo da Argentina um casal de cirurgiões plásticos, Dr.Abel Chajchir e Iliana Benzaquem, que dariam um curso sobre os retalhos de couro cabeludo para a restauração da calvície. Esse curso foi realizado na própria Clínica Pitanguy.
Terminado o curso, sugeri ao casal dar o mesmo curso em Porto Alegre; ligamos para o Dr. Wilson Jacques, que era presidente da Regional, e aceitou de bom grado desde que eu organizasse. Já na cidade, selecionamos três pacientes para serem operados, utilizando os retalhos de couro cabeludo, técnica então muito popular e criada pelo Dr. José Juri de Buenos Aires. Foi um sucesso muito grande e aí comecei a utilizar a técnica operando ao redor de 550 pacientes aqui em Porto Alegre. Tinha apenas um inconveniente: deixava uma cicatriz anterior bastante visível. Passei então a enxertar pequenas raízes capilares para dissimular aquela linha cicatricial. E aí que surgiu a ideia de utilizar os microenxertos para toda a calvície abandonando os retalhos de couro cabeludo.
Publiquei em 1991 o trabalho sobre os micro implantes capilares para a calvície masculina do tipo padrão (Micro and Minigrafts for Male Pattern Baldness) que se tornou uma referência mundial como a primeira técnica para o tratamento da calvície utilizando as megasessões com microimplantes capilares. Eu retirava da região posterior uma faixa de couro cabeludo, separava os microenxertos no microscópio e depois enxertava na região da calvície. Os microenxertos eram também utilizados em pequena escala pelo Dr. Rolf Nordström da Finlândia nas áreas de sequelas de queimaduras. Mas fomos nós que introduzimos a técnica para a calvície masculina e feminina do tipo padrão.
O Folículo - Houve uma publicação importante sua, relatando suas cirurgias com mais de 1.000 enxertos, o que causou grande repercussão. Posteriormente, a ISHRS lhe conferiu uma homenagem, concedendo-lhe o prêmio Platinum Follicle Award. Conte como foi sua atuação dentro da ISHRS, entre seus pares internacionais e dentro do Brasil?
Dr. Carlos Uebel - Depois da publicação da técnica, recebi inúmeros convites para visitar vários países. Foram em mais de 20 países que apresentei esse trabalho. Eu viajava regularmente aos Estados Unidos, Europa e Ásia divulgando essa técnica. Recebi da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica (ASPS) o prêmio Raymond Villar. E a Sociedade Internacional de Restauração Capilar ISHRS me homenageou com o Platinum Follicle, uma menção honrosa que recebi no seu congresso no Havaí em 2000. Em vários outros países, fui agraciado com Conferências, Cursos e Artigos em Revistas Científicas.
Dentro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), fui diretor científico por dois congressos consecutivos, diretor internacional em várias gestões, vice-presidente da sociedade nacional e presidente da regional do Rio Grande do Sul.
Fui o Presidente Executivo do XXII Congresso Brasileiro realizado em Gramado no ano de 1985 e no mesmo ano entrei como membro da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e Estética (ISAPS) até chegar à posição de Presidente Mundial da Sociedade, de 2012 a 2014. Viajei para países no mundo inteiro; o fato de eu falar vários idiomas facilitou muito - além do português, também sou fluente em espanhol, inglês e alemão. Hoje, sou Past President e Visiting Professor da ISAPS.
Atualmente, sou membro do Departamento Internacional da nossa Sociedade Brasileira, onde estamos fazendo programas de intercâmbio, principalmente entre residentes e recém-formados, que podem visitar outros países e importantes serviços como estagiários e observadores. Há também a reciprocidade aqui no Brasil quando recebemos outros convidados, alunos e estagiários.
Além disso, estamos fazendo uma campanha humanitária com a Ucrânia. Um país que está sofrendo imensamente com a guerra. São hospitais e serviços de urgência que estão necessitando de materiais básicos e produtos médicos para uma população muito desprotegida. É uma campanha maravilhosa, arrecadando fundos de doações feitas pelos nossos próprios colegas da SBCP para a compra destes materiais que serão encaminhados à Embaixada da Ucrânia em Brasília e de lá via aérea ao seu destino final. Nosso colega Dr. Antonio Pacheco, de Brasília, está nos auxiliando nesta missão obtendo em licitações de empresas estes materiais de primeira necessidade como ataduras, gases, seringas, etc.
O Folículo - Como o sr. vê o crescimento desenfreado de clínicas oferecendo cirurgias capilares por preços vis? Como um barco que afunda, e com poucos sobrevivendo, ou como aquele caminhão levando melancias: tudo acaba se acomodando?
Dr. Carlos Uebel - [Risos] A analogia é boa, mas a situação é vergonhosa! É preciso proibir a prática dessas clínicas que estão fazendo o trabalho sem nenhum conhecimento, sem nenhuma formação, utilizando mão de obra sem treinamento adequado e com resultados muito pífios e complicados.
De toda maneira, a formação dos cirurgiões para essa cirurgia tem que conter um treinamento em clínicas de boa qualidade e cobrando preços normais. Estão fazendo cirurgias que realmente não entregam resultados dignos para a restauração capilar. Não estamos vendo com bons olhos essas clínicas, agindo de uma maneira desenfreada, competindo e querendo arrecadar cada vez mais pacientes sem nenhuma informação.
O Folículo - Para encerrar, gostaria que falasse um pouco mais sobre sua vivência com o Dr. Ivo Pitanguy.
Dr. Carlos Uebel - Ele era uma pessoa muito boa que jamais vamos esquecer. Além da sua formação cultural extraordinária, sabia acolher os seus alunos, sabia mostrar o caminho da cirurgia plástica de uma maneira ética e muito profissional. Sempre e em todos os momentos, ele soube transmitir o conhecimento a todos os seus alunos, e ele teve mais de 700, entre alunos formados e visitantes em seu serviço; a todos soube aceitar com dignidade e com profundo respeito. Nós jamais iremos esquecê-lo porque foi um grande professor, um grande profissional de uma qualidade extraordinária, que recebia os pacientes com respeito, com dignidade e com ética acima de tudo! Dificilmente teremos uma segunda pessoa igual a ele, porque dentro de sua capacidade de cirurgião, sabia partilhar o seu conhecimento com todos, e isso foi algo inigualável.
Viajei com ele para a Alemanha várias vezes, onde recebeu a comenda Dieffenbach na Universidade Charrité em Berlim e onde realizamos o 1º Simpósio Internacional da AEXPI (Associação dos Ex-alunos do Prof. Pitanguy) também em Berlim, sob a presidência do Dr. Peter Pohl quando o Dr. Ewaldo Bolivar de Souza Pinto era Presidente da AEXPI. Viajamos a Luxemburgo, onde recebeu a Comenda do Gran Ducado daquele país, e estivemos na Áustria participando do Opernball em Viena juntamente com o colega Nelson Heller. O Professor gostava destas viagens e eventos culturais - sabia encantar a todos e se comunicava muito bem nos vários idiomas que sabia.
Sinto saudades dele e todos nós sentimos. Dez dias antes de ele morrer, ele me mandou uma mensagem por vídeo que seu neto Antonio Paulo realizou, e essa mensagem eu guardo com muito carinho, como algo único!
Uma vez em São Paulo, durante nosso Simpósio Internacional que fazemos todos os anos, ele estava retornando, recuperado de uma grave intervenção cirúrgica, e perguntei a ele perante uma plateia de mais de 800 colegas: “Professor, como se sente agora depois de estar quase do outro lado e voltar 20 anos mais jovem e com todo este entusiasmo?” E me respondeu de imediato: “Uebel, o entusiasmo é o apanágio da juventude e quem o tiver será candidato à sua própria eternidade”. Isto foi Ivo Pitanguy, um entusiasta pela vida, um guerreiro e uma pessoa humanitária que soube transmitir o conhecimento a tantos quantos fossem dado observar.
CARLOS OSCAR UEBEL,MD , PhD .h.c.
Professor Divisão Cirurgia Plástica PUCRS
Folículo - Edição 25