Dr. Felipe Pittella
[Parte 1]
O conceito de se realizar um transplante capilar utilizando folículos oriundos de regiões potencialmente androgênicas, à primeira vista, soa irracional, ou, no mínimo, controverso. A utilização proposital desses folículos advindos de locais fora dos limites da área doadora segura certamente implicará, no futuro, em um afinamento progressivo dos fios transplantados. E é exatamente essa característica que a técnica PAHT busca.
PAHT é um acrônimo para “Potencial Androgenic Hair Transplant”; no português, “Transplante Capilar Potencialmente Androgênico”. É uma técnica em que as unidades foliculares de regiões fora da área doadora segura, ou seja, regiões potencialmente androgênicas, são transplantados para cobrir outras regiões. Essa técnica foi inicialmente idealizada pelo cirurgião plástico argentino Dr. Sebastián Yriart em meados de 2010. Nessa altura, Dr. Yriart realizava cirurgias reparadoras no Hospital Pediátrico Pedro Elizalde, na cidade de Buenos Aires.
Ao realizar cirurgias de FUE para restauração capilar em crianças ou adolescentes com alopécia pós-traumática, e.g. vítimas de queimaduras em couro cabeludo, Dr. Yriart optava por extrair folículos de regiões potencialmente androgênicas para cobrir as regiões cicatriciais adjacentes (fig 1).
A razão pela qual Dr. Yriart propositalmente transplantava esses folículos em detrimento dos folículos da área doadora segura era que, caso o paciente desenvolvesse um grau avançado de alopécia androgenética na vida adulta, ele não permaneceria com ilhas anti-estéticas de fios que foram transplantados durante a infância (fig 2).
Na simulação a seguir vemos, à esquerda, um paciente, durante a infância, submetido ao PAHT. Vemos, à direita, o mesmo paciente submetido ao transplante capilar convencional. Observe que, caso o paciente evolua na vida adulta com uma calvície grau 6 de Norwood, a região implantada se tornará uma ilha de cabelo antinatural (fig 3).
O PAHT tornou-se, portanto, uma importante arma no arsenal da restauração capilar para uma conjuntura bem específica: pacientes muito jovens (adolescentes ou crianças) com alopecia pós-traumática. No contexto psico-social desses pacientes, é imperativa a imediata reparação da área cicatricial calva para a reinserção precoce dos mesmos na convivência social característica da juventude. Condutas que visam protelar a restauração capilar até determinada idade só tendem a agravar sequelas psicológicas que são inerentes ao próprio trauma que gerou a alopecia. Somado a esse cenário, se considerarmos que nas crianças e adolescentes é incerta a previsão de ocorrência, ou não, de uma eventual calvície androgenética, o PAHT se torna a decisão mais sensata como opção para restauração capilar desses pacientes.
- Yriart S. Hair Transplantation in Scarring Alopecia. In: True RH, Garg S, Garg AK, eds. Practical Guide to Hair Transplantation. Delhi, India: Thieme Med and Scientific Publishers; 2021, pp. 532-53
[Parte 2]
PAHT - Exemplo de aplicação da técnica
Paciente de 18 anos de idade apresenta o relato de ter sofrido queimaduras graves com couro cabeludo na infância. Foi submetido a 3 cirurgias de reconstrução de couro cabeludo utilizando expansores ao longo da juventude. Ainda mantinha grande área cicatricial em couro cabeludo (fig. 1 e 2).
A estratégia de reconstrução foi subdividida em uma etapa para abordar região temporal esquerda utilizando-se FUE convencional da área doadora adjacente (fig 3 e 4) e outra etapa para cobertura da região de escalpe médio lançando-se mão do PAHT da região frontal (fig 5 e 6).
O FUE convencional foi realizado para cobertura da região temporal esquerda, uma vez que nessa região os cabelos não são suscetíveis a afinamento ao longo da vida. Portanto, a utilização de fios potencialmente androgênicos nessa região não seria razoável. A área total necessária para cobertura dessa região foi de aproximadamente 40cm² (fig. 7). Para obtermos uma densidade de 55 a 60 UF/cm² foi necessária a extração e implantação de 2280 enxertos (fig. 8).
Duas semanas após, foi realizado o PAHT para região de escalpe médio. A região doadora escolhida foi a frontal, uma vez que as áreas posteriores à região cicatricial já estavam com baixa densidade devido às expansões teciduais anteriores (fig. 9). A área total era de aproximadamente 25cm². Isso demandaria cerca de 1500 enxertos para atingir uma densidade de 55 a 60 UF/cm². Foi preservada uma área intocada na hair-line para não resultar numa diminuição da densidade da mesma (fig. 10).
Após 1 ano de pós operatório, notamos um crescimento adequado nas regiões implantadas e uniformidade das densidades em região frontal, escalpe médio e regiões submetidas à expansão (coroa) (fig. 11, 12, 13, 14).
Felipe Pittella
- Atua como cirurgião plástico no Espírito Santo (Vitória e Linhares) realizando exclusivamente transplantes capilares.
- Cirurgião Plástico Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Membro da Associação Brasileira de Cirurgia de Restauração Capilar (ABCRC).
- Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
- Residências na UNIFESP-EPM e IPSEMG.
Folículo - Edição 25