Dr. Renato Perali
Palavras-chave: necrose de pele; Transplante Capilar; FUT; FUE; Body Hair; lipoenxertia
Resumo:
A Cirurgia da Restauração Capilar tornou-se muito popular, nos últimos tempos, especialmente após a sua ampla divulgação na mídia leiga. Entretanto, nenhum procedimento cirúrgico é isento de complicações, especialmente, quando não observados os cuidados
pós-operatórios. Este é um relato de um transplante capilar FUT, que evoluiu com uma necrose extensa de pele, após a realização de um retalho de rotação, para cobertura da ferida cirúrgica, e seu tratamento subsequente.
Introdução:
Com a ampla divulgação das técnicas de Transplante Capilar (TC), em especial a FUT (Tira) e a FUE (Extração por Unidades Foliculares)¹,², nas mídias leigas e mesmo, no
boca-a-boca; houve um aumento do número dessas cirurgias. Nas cirurgias plásticas, assim como nas de Restauração Capilar, não estamos isentos de sermos surpreendidos por complicações, especialmente quando não observados os cuidados e as orientações
pós-operatórias. As mais comuns são as alterações das feridas operatórias ( em paralelepípedo, graus variados de fibroses, distúrbios de pigmentação, alargamentos das cicatrizes, deiscências), dor, prurido, cabelos retorcidos, deslocamentos dos enxertos, infecção, foliculites estéreis, sangramentos, insensibilidade, e até fístulas artério-venosas, choque anafilático, choque vasovagal, eventos cardíacos, e necroses nas áreas doadoras e receptoras3,4 . Insatisfações com os resultados geralmente surgem devido à má comunicação prévia, referente às expectativas exageradas dos pacientes e limitações técnicas e/ou anatômicas (áreas doadoras, por exemplo) a realização do procedimento3,4. Como o cirurgião plástico está habituado a lidar tanto com a cirurgia plástica estética, quanto com a reparadora, a chance de eventos adversos estima-se ser menor. A seguir relatarei uma complicação da técnica FUT, com uma abordagem de tratamento muito utilizada nas cirurgias reparadoras de avulsões no couro cabeludo, ou mesmo nas reconstruções pós-retiradas de tumores. Por uma infelicidade, o paciente não observou o cuidado PO, e tivemos uma extensa necrose do retalho, superficial, porém desastrosa, do ponto de vista estético na Restauração Capilar. Seguem as etapas de reparação desta área.
Relato de Caso:
Paciente MMM, 44 anos, branco, solteiro, comerciante e garçom, portador de Alopecia Androgenética NW GIII com vértex. Área doadora com boa densidade de UF, fios finos, razoável elasticidade do couro cabeludo. Veio à clínica encaminhado pelo dermatologista, onde já fazia tratamento clínico para calvície com finasterida VO. Como trabalhava com o público, não
queria raspar a cabeça para a retirada das UFs. Optamos pela realização da técnica FUT.
Não apresentava antecedentes patológicos, não era tabagista e nem usuário de drogas ilícitas. Solicitada a avaliação cardiológica e laboratorial.
No dia 19/11/2016 fora submetido à cirurgia com anestesia local + sedação endovenosa, com anestesista em sala. Fora retirada uma tira de couro cabeludo de aproximadamente 25 x 1,5 cm, com posterior separação das UF nos microscópios pelas assistentes. Realizada a hemostasia e sutura tricofítica. Observado grande edema na região occipito-temporal direita (mastoidea) com dificuldade de fechamento da ferida operatória. Realizado maior descolamento subgaleal inferior e superior, sem sucesso; assim como incisões na gálea aponeurótica para relaxamento da mesma. Diante do estresse momentâneo, optado pela realização de um retalho de rotação inferior, para cobertura da lesão.
Foram separadas 2490 UF de 1,2 e 3 hastes, que foram implantadas na hairline, recessos e picos temporais, e poucas na coroa (à pedido do paciente), pela técnica stick and place. A cirurgia teve a duração de 10 horas, e o paciente teve alta à noite. Antes da alta, fora-lhe explicado a intercorrência e salientado o cuidado de não se deitar sobre o retalho, colocando um coxim sob a nuca.
Retornou no 5ºpo com FO secas, retalho rosado, enxertos com as microcrostas. Novo retorno no 14ºpo, com pequenas crostas sobre a FO e uma crosta grande sobre o retalho de rotação e muita oleosidade, tratadas com creme cicatrizante + fatores de crescimento (manipulado); enxertos OK.
No 21ºpo, crosta no retalho, conduta expectante para não retirar fios de cabelo. No 27º debridei-a. Bom tecido de granulação, sem necrose profunda ou exposição óssea. HD: Epiteliólise pelo decúbito.
Fotos 1, 2, 3, 4, 5 - PRÉ
Fotos 6, 7, 8, 9 - Planejamento
Fotos 10, 11, 12, 13, 14, 15 - POi
Fotos 16, 17, 18, 19, 20 – 5º PO
Foto 21 - 21º PO
Nota: Preservada uma ilha de cabelo na extremidade distal do Retalho. Indicativo de boa perfusão distal.
Foto 22 - 27º PO
Foto 23 - 35º PO
Foto 24 - 76º PO
Apresentamos a hipótese de se realizar posteriormente um transplante capilar pela técnica FUE da cabeça que poderiam ser complementados por um Body Hair(BHT)5,6,7,8, pela semelhança dos pelos em textura e comprimento6. Gostou da ideia de retirar UF da barba e do tronco, pois não poderíamos perder muitas UFs da cabeça, uma vez que a calvície é progressiva.
Discussão:
Apesar de o paciente entender que houve uma grande dificuldade para o fechamento da ferida operatória, e que optei por reconstruir o local com um retalho muito utilizado, e ainda, que a crosta ocasionada pelo decúbito durante o sono, levou a este quadro de alopecia cicatricial; evoluiu com um quadro de ansiedade muito grande. A mãe ficava recriminando-o por ter feito a cirurgia, os clientes não podiam vê-lo com tal deformidade e a incerteza de como isso ficaria no futuro, deixaram-no muito relutante em colocar um expansor cutâneo9 para reconstruir o local. O mesmo solicitava-me urgência para fazermos um FUE e tentar logo resolver a situação. Ele usava o cabelo mais longo na porção superior, de modo que tampasse a ferida. Usando tira de silicone à noite e creme com cortisona e tamoxifeno durante o dia.
Apesar de explicar-lhe que deveríamos aguardar mais alguns meses, pois o local estava com tecido inelástico cicatricial, ele me convenceu a fazer um teste com a colocação de 416 fios no retalho e 96 fios na FO esquerda, pela técnica FUE, sendo a AD na região occipital (raspar pouco para não descobrir a lesão); no 4º mês PO!
Foto 25 – 3,5m PO (PRÉ-FUE teste)
Foto 26, 27 – 6º PO (PÓS-FUE teste)
Foto 28, 29 – 16º mês PO ( 12º mês PÓS-FUE teste)
Como esperado, houve uma perda grande dos enxertos como podemos ver nas fotos de 1 ano após o FUE (teste). Paciente ainda mais ansioso! No entanto, o resultado da cirurgia após 16 meses o animou, pois percebia os fios mais grossos na frente e na coroa. Diante de tanta relutância do paciente, programamos para o mês seguinte, uma redução das cicatrizes com anestesia local. Paciente ainda não aceitava a idéia de expansão cutânea. Tecido ainda com muita fibrose...
Fotos 30, 31 – 17º mês PO ( 13º mês PÓS-FUE teste) – Redução Cicatriz
No 4º mês PO, programamos duas sessões de Lipoenxertia sob a cicatriz, como preconizada pelo Dr Coleman10,11, para promover uma melhora da vascularização do tecido fibrótico da cicatriz. Foram realizadas sob anestesia local, em intervalos de 6 meses. Gordura coletada do abdome e centrifugada, 10 ml na primeira sessão e 13 ml na segunda.
Foto 32 – 4º mês PO (redução cicatriz)
Fotos 33, 34 – 1ª LIPOENXERTIA e Pós 6 meses
Fotos 35, 36 – 2ª LIPOENXERTIA e Pós 6 dias
Nove meses após a segunda lipoenxertia, programamos uma nova colocação de UF como teste para observar a pega (FUE). Utilizamos como áreas doadoras, a barba e o tórax anterior5,6,7,8, haja vista que a evolução da calvície é certa, e o mesmo necessitará preservar UFs da cabeça.
A pele aparentava ser mais elástica e com mais vascularização. O sangramento da região da cicatriz era bom, Não infiltramos a área receptora com adrenalina. Foram retirados e implantados: 439UF, sendo 180 UF do tórax anterior e 259UF da barba, com 1 e 2 hastes.
Fotos 37, 38 – PRÉ 2º FUE TESTE
Fotos 39, 40 – POi e 6º PO - 2º FUE TESTE
Após 1 ano do 2º teste, mudamos a finasterida por dudasterida a pedido do paciente. Notava-se um bom crescimento dos fios implantados, sendo os da barba mais longos e espessos (ruivos) e os do tórax mais finos.
Retornou após 7 meses para programar o FUE definitivo. OBS: intervalo de tempo por causa da pandemia da Covid-19 deixou-o menos tenso em relação ao resultado.
Fotos 41, 42 – 1 ano e 1,5 ano PO - 2º FUE TESTE
Em 27/10/2021 fora submetido ao FUE definitivo, onde foram retiradas e implantadas 427 UF do couro cabeludo de 1-4 hastes, na cicatriz do retalho e da FUT à esquerda.
Fotos 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 – Marcação e Intraoperatório FUE; 4º PO
Após 6 meses do transplante definitivo FUE, observamos uma grande quantidade de fios crescendo, e outros que ainda estão por vir. O paciente, agora, encontra-se muito mais satisfeito e confiante. O resultado geral da cirurgia está de acordo com o esperado, assim como o tratamento clínico adjuvante. Hoje está em uso do Minoxidil e Finasterida tópicos, sem efeitos colaterais relatados.
A área reparada está a cada dia menos visível, assim como a cicatriz do FUT.
Fotos 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59 – 5,5 anos PO (6 meses pós-FUE)
Discussão:
O Transplante Capilar (TC) é uma cirurgia desafiadora, pois não é isenta de intercorrências e complicações. Como cirurgiões, temos que ficar atentos aos cuidados pré, intra e pós-operatórios. Às vezes somos surpreendidos por situações que geram muita ansiedade nos pacientes e no próprio cirurgião. Cabe a nós, proporcionar-lhes confiança para a resolução destes problemas, sempre baseados nos princípios de tentar resolvê-los com menos desconforto, e tentar deixá-los com as menores sequelas. Baseados no estudo das diferentes técnicas possíveis, encontramos uma boa solução, sempre respeitando a vontade do paciente. A Cirurgia da Restauração Capilar é baseada nas técnicas FUT e FUE12, que mostraram ser muito eficazes tanto para o bom resultado final do TC, quanto para a resolução de complicações.
Conclusão:
Apesar da ampla divulgação do Transplante de Cabelo como sendo uma cirurgia simples, realizada com anestesia local, ela pode ter um resultado desfavorável e até mesmo, desastroso. Quem imagina que o TC é um procedimento que pode ser realizado por qualquer médico, se engana e certamente será exposto aos eventos adversos.
É importante ter-se em mente que as complicações são inerentes aos procedimentos cirúrgicos, porém cabe a nós, minimizá-los. A Cirurgia Plástica utiliza conceitos da Estética na Reparadora e vice-versa, e isso a torna tão bela. Através dessa troca de experiências, conseguimos resolver um problema tão complexo.
Referências:
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Nemetz, AP et all. Utilização de Expansores Teciduais Na Cirurgia Reconstrutora da Cabeça e Pescoço. Rev. Soc Bras Cir PLast 2007: 22(4): 219-27.
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12. Harris JA. Follicular Unit Extraction with the SAFE System: A Dull Dissecting-Tip FUE Device. Hair Transplant 360 – Advances Techniques, Business Development & Global Perspectives; Volume 3: 73-86.
13. Salanitri, S.N. Complicações e intercorrências no transplante capilar. In: H. N. Radwanski, A. Ruston, R. G. de Lemos (eds.) Transplante Capilar: Arte e Técnica. Gen Editora, São Paulo, 2011 (p. 279-297)
Dr. Renato Perali
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – SBCP International Society of Aesthetic PLastic Surgery – SAPS
Associação Brasileira de Cirurgia da Restauração Capilar – ABCRC
Diretor da Clínica Silhouette Cirurgia Plástica & Implante Capilar
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Comentários sobre artigo RELATO DE CASO: Intercorrências em Cirurgia da Restauração Capilar, de Dr. Renato Perali
Por Dr. Luiz Pimentel
Elogiável a conduta de Dr. Perali que, em muito boa hora, no momento em que as narrativas e discussões sobre FUT ou FUE estão em evidência, nos traz o relato de um caso em que ocorreu uma grave complicação na área doadora. Essa publicação é um ato dos mais elogiáveis e que deveria ser seguido por cada um de nós em caso de qualquer complicação.
Relata a ocorrência de dificuldade acentuada em suturar o trecho lateral direito da fita doadora, apesar de razoável elasticidade observada no pré-operatório. Para conseguir o fechamento da ferida, após tentar sem sucesso descolamento subgaleal, com incisões na gálea para relaxamento, confeccionou um retalho triangular de pedículo anterior e ponta voltada para a região occipital, que permitiu um deslizamento para baixo, conseguindo a sutura da ferida.
O paciente evoluiu aparentemente bem no pós-imediato; porém, segundo a foto 19, no quinto dia PO não vimos retalho totalmente rosado, e já apresentava sinais escuros de necrose nas bordas, que posteriormente evoluíram para uma maior área. Este retalho me lembra da ponta do retalho de Júri, que era muito mais longo mas só sobrevivia devido à autonomização prévia.
A conduta adotada em debridar, aguardar cicatrização, esperar amadurecimento parcial da cicatriz, enxertar gordura, aguardar sinais de melhor vascularização, e efetuar transplante de unidades foliculares, em sessões inicialmente em número pequeno e, com o sucesso desse transplante de teste, partir para uma ou mais sessões, mostrou-se a conduta ideal e certamente obterá um bom resultado final.
Nos muitos anos em que praticou transplante FUT, cada um de nós já deve ter se deparado com uma dificuldade de conseguir uma sutura com pouca tensão. Tive um caso em que isso ocorreu no trecho médio (occipital) numa fita com largura de 2 cm nessa região. Consegui fechar com cuidadosos descolamentos, mas confesso que um momento desses é extremamente estressante para o cirurgião.
A área doadora deve ser cuidadosamente examinada quanto à sua distensibilidade, para que tenhamos certeza que a largura pretendida possa ser executada com fácil fechamento para que uma cicatriz fina apresente um bom resultado. Para trabalhar com segurança a maioria dos couros cabeludos possibilita retirada muito segura de até 1,5 cm da largura na área occipital (cerca de 9 a 10 cm) e apenas 1 cm nas laterais.
Essa conduta possibilita uma segunda, e muitas vezes uma terceira fita com 1 cm de largura em toda a extensão, mais a largura da ressecção da cicatriz anterior em outras sessões.
A ânsia por maior número possível de unidades foliculares pode levar à ressecção de fitas mais largas e à ocorrência de dificuldades na sutura da pele e cicatrizes mais largas. Por isso, é preferível a associação, quando se pretenda aumentar o número de enxertos, do FUT com a FUE no mesmo ato.
No caso apresentado, é possível questionar:
1- É informado que a fita toda tinha 1,5 cm de largura. Teria o colega, como não relatou dificuldade de suturar o lado esquerdo, inadvertidamente retirado uma fita mais larga do lado direito?
2- Não teria sido melhor conseguir o fechamento da ferida cirúrgica com um amplo descolamento mastoideo e cervical, nos moldes de uma ritidoplastia? Seria fácil fechar uma ferida de 1,5 cm com esse descolamento inferior.
3- Teria o retalho necrosado por insuficiência de vascularização? Afinal, a retirada do trecho occipital da fita diminui a irrigação superficial do couro cabeludo, o retalho fazia uma ponta triangular no encontro com sutura occipital, e sua superfície profunda havia sofrido incisões na gálea para relaxamento, o que pode ter prejudicado sua nutrição.
Essas perguntas nos vêm à mente com intuito de contribuir com o esclarecimento das razões do sofrimento do retalho. O que acontece com um colega experiente como o autor pode ocorrer com qualquer um de nós.
Folículo - Edição 25