Transplante de supercílios em pacientes com AFF: é arriscado? Está correto?
Dra. Anna Cecília Andriolo
Dermatologista
Prática Profissionalizante em Tricoses pela FMUSP
Membro da SBD, SBCD, ABCRC e AHRS
Tesoureira da diretoria atual da ABCRC – 2021/2022
A alopecia frontal fibrosante (AFF) é uma alopecia cicatricial primária linfocítica caracterizada pela perda progressiva da linha frontotemporal e das sobrancelhas.
A perda de sobrancelhas é descrita na literatura em cerca de 75 a 94% dos pacientes com AFF e leva a uma diminuição importante da qualidade de vida destes pacientes, que buscam auxílio nos consultórios dermatológicos e de cirurgiões plásticos.
Em até 39% dos casos pode preceder a perda de fios no couro cabeludo, portanto o exame das sobrancelhas pode auxiliar de forma importante o diagnóstico precoce na AFF.
Clinicamente, o envolvimento das sobrancelhas é considerado não inflamatório e não cicatricial, com ausência de eritema e descamação perifolicular e pápulas. Eritema difuso e discromías (hipopigmentação) podem ser observados em alguns casos.
Anzai A. e colaboradores estudaram a tricoscopia das sobrancelhas de pacientes com AFF e os principais achados foram: pontos amarelos (92,7%), múltiplos pontos brancos pequenos (79,5%), fios velos (76,2%), pontos pretos (66,2%) e pelos distróficos (60,9%). Estes achados tricoscópicos também são compatíveis com a clínica não inflamatória e não cicatricial, e um alerta deve ser dado para que esses achados na sobrancelha não atrapalhem (atrasem ou confundam) o diagnóstico da AFF, uma doença cicatricial no couro cabeludo.
Embora tenhamos a presença de sinais não cicatriciais, o tratamento clínico da AFF não leva ao crescimento dos pelos das sobrancelhas e os pacientes se utilizam de técnicas de camuflagem (micropigmentação e maquiagem) ou procuram pelo transplante de fios nessa região.
Embora o transplante de sobrancelhas seja um procedimento bem aceito na comunidade médica e entre os pacientes, com excelentes resultados cosméticos e duradouros quando indicados em situações de trauma (queimadura, cicatrizes, excesso de manipulação), quase não encontramos literatura publicada sobre sua eficácia na AFF.
Audickaite A. e colaboradores, em 2019, apresentam o resultado de 10 pacientes (9 mulheres e 1 homem) com AFF (a maioria cursando tratamento clínico), submetidos ao transplante de sobrancelhas pela técnica de FUT ou FUE. Todos os pacientes foram advertidos do risco de perda de enxertos pelo caráter inflamatório da doença e, apesar disso, optaram por realizar o procedimento.
Dos 10 pacientes, 8 obtiveram um crescimento normal nos primeiros 12 - 24 meses; 4 desses foram seguidos por mais de 3 anos sendo que 3 apresentaram perda lenta e progressiva dos fios e apenas 1 obteve um excelente resultado após 4 anos de doença.
Existe uma discussão sobre o momento ideal para realizar a cirurgia nos pacientes com AFF. Embora defenda-se que esse momento seja após 2 anos de remissão medicamentosa da doença, não temos marcadores sensíveis e acurados para garantir que a doença esteja estabilizada. Sabemos também que a história natural da AFF envolve longos períodos de remissão e reativação e não podemos garantir que o período de remissão seja permanente. Além disso, o próprio trauma da cirurgia pode reativar a doença.
Chegamos então à grande questão: é correto transplantar supercílios na AFF? É arriscado?
Frente à literatura sobre transplante capilar em pacientes com AFF (seja supercílios ou couro cabeludo) e segundo observações minhas e de colegas próximos, notamos que quando bem orientados sobre as possíveis perdas dos enxertos ao longo dos anos (caráter temporário do transplante), a maioria dos pacientes prefere se submeter ao procedimento cirúrgico. Isso acontece devido ao elevado nível de satisfação decorrente da melhora rápida da aparência e do ganho na autoestima, que suplantam a perda variável de folículos que começa normalmente após 2 anos da cirurgia.
Cada vez mais ressaltamos a importância de um bom relacionamento médico-paciente e do alinhamento prévio das expectativas frente a cada caso cirúrgico.
Referências Bibliográficas:
1- Anzai A, Pirmez R, Vincenzi C, Fabbrocini G, Romiti R, Tosti A. Trichoscopy findings of frontal fibrosing alopecia on the eyebrows: A study of 151 cases. J Am Acad Dermatol. 2021 Nov;85(5):1130-1134. doi: 10.1016/j.jaad.2019.12.023. Epub 2019 Dec 17. PMID: 31857108.
2- Salas-Callo CI, Cajas-García MS, Pirmez R. Hypopigmentation of the Eyebrows in Frontal Fibrosing Alopecia. Skin Appendage Disord. 2021 Apr;7(3):243-245. doi: 10.1159/000512866. Epub 2021 Feb 10. PMID: 34055918; PMCID: PMC8138258
3- Audickaite A, Alam M, Jimenez F. Eyebrow Hair Transplantation in Frontal Fibrosing Alopecia: Pitfalls of Short- and Long-Term Results. Dermatol Surg. 2020 Jul;46(7):922-925. doi: 10.1097/DSS.0000000000002207. PMID: 31652229.
4- Epstein J, Kuka G. Commentary on Eyebrow Hair Transplantation in Frontal Fibrosing Alopecia. Dermatol Surg. 2020 Jul;46(7):926-927. doi: 10.1097/DSS.0000000000002228. PMID: 31652230.
Folículo - Edição 24