Introdução
A alopecia frontal fibrosante (AFF) compõe um grupo de desordens inflamatórias idiopáticas primárias que resultam em uma perda capilar permanente(1). A manifestação da doença se mostra angustiante para os pacientes e a condução terapêutica é desafiadora para os especialistas envolvidos(1).
Objetivo
O objetivo deste artigo, a propósito de um caso clínico, foi evidenciar o transplante capilar como alternativa terapêutica bem como aspectos relevantes que compõem a decisão pela cirurgia.
Discussão
Os primeiros relatos da AFF constam da década de 1990(2). À essa época, sua ocorrência era pouco frequente e limitada às mulheres no período do climatério(3). Não obstante, a epidemiologia desta doença vem sendo alterada com acréscimo significativo do número de casos, acometimento de pacientes mais jovens e do gênero masculino. Além de uma possível predisposição genética e influência hormonal, ainda pendentes de elucidação, tem-se considerado a relação de fatores etiológicos ambientais como desencadeantes da AFF e, especialmente, neste aumento de novos casos.
O processo destrutivo é irreversível; ocorre a partir de um infiltrado linfocitário seguido de dano às células pluripotentes presentes nos bulbos foliculares, ciclo capilar incompleto, inflamação folicular crônica e substituição por tecido cicatricial(1).
A manifestação clínica predominante é a perda e consequente recuo de toda extensão da linha capilar anterior, desde as costeletas, região frontal e temporais, bilateralmente, além das sobrancelhas(3,4). Apresentações em áreas como a região retroauricular e alterações cutâneas também podem ser observadas, em menor frequência.
A evolução lenta, por vezes, notada tardiamente ou mesmo diagnósticos equivocados, pode culminar em prejuízos estéticos e psicológicos relevantes quando do início do tratamento.
O diagnóstico é, fundamentalmente, estabelecido pela avaliação física , dermatoscopia e pode ser confirmado por biópsia.
Os tratamentos clínicos disponíveis, dentre os quais inibidores de 5a redutase (finasterida; dutasterida), medicações com ação anti-inflamatório (hidroxicloroquina; doxiciclina; corticoides), isotretinoína, imunomoduladores (pimecrolimus; tacrolimus), minoxidil, se limitam à tentativa de reduzir a progressão da doença.
Neste contexto, o transplante capilar aparece como uma possibilidade de restauração das regiões acometidas e consequente atenuação dos danos associados. Ocorre que a indicação cirúrgica é controversa(5,6). Artigos versando sobre indicação do transplante em casos de AFF, bem como uma avaliação dos resultados com um seguimento prolongado, são escassos(2,5).
Estudo analítico, descritivo, multicêntrico, retrospectivo, realizado por Vaño-Galván S, et al. confirma esta escassez. Nesta revisão foram incluídos um total de 51 pacientes, com uma média de idade de 54 anos. O transplante capilar foi realizado após um tempo médio de estabilização da doença de 15 meses. Esta estabilização foi avaliada clinicamente (ausência de progressão da alopécia na linha capilar fronto-temporal, após 12 meses) e por tricoscopia. A técnica folicullar unit transplantation (FUT) foi realizada em 44 pacientes e a técnica follicular unit extraction (FUE) foi realizada em 7 pacientes. O número médio de unidades foliculares transplantadas por procedimento foi de 1345. A localização mais frequente do transplante foi a área temporal (30 pacientes), seguida pela área frontal (22 pacientes) e as sobrancelhas (15 pacientes). Os pacientes foram acompanhados por uma média de 3,2 anos, no pós-operatório. Todos os pacientes receberam terapia medicamentosa para AFF, após o transplante. As taxas médias de sobrevida dos enxertos foram: 1 ano = 87%; 2 anos = 71%; 3 anos = 60%; 5 anos = 41%. Todos os 12 pacientes com um tempo de acompanhamento de pelo menos 5 anos após o procedimento cirúrgico apresentaram uma taxa de sobrevida dos enxertos inferior a 60%. Não houve diferenças na sobrevida por localização ou por terapia médica pós cirúrgica. Um maior tempo entre a estabilização da AFF e o transplante não foi associado a uma maior sobrevida dos enxertos. Dos 51 pacientes, 42 (82%) estavam satisfeitos(2).
Caso clínico
Paciente 47 anos, gênero feminino, branca, cabelos lisos e finos. Se mostrou lúcida, bastante esclarecida, apresentando queixa principal de importante perda capilar (foto 1). Relatou quadro depressivo e, com ênfase, outras repercussões negativas associadas ao quadro de alopecia. Sem demais história patológica pregressa digna de nota.
Foto 1 - Pré-operatório imediato
O acompanhamento dermatológico foi realizado por três especialistas, em momentos distintos, ao longo de aproximadamente três anos e meio entre o diagnóstico e a realização do transplante capilar.
Neste período, foi submetida a tratamento via oral com dutasterida, isotretinoína, colecalciferol, associado ao uso tópico de tacrolimus e minoxidil.
A biópsia, cuja hipótese diagnóstica inicial foi lúpus eritematoso sistêmico, resultou no seguinte laudo histopatológico, em suma:
- infiltrado inflamatório constituído por linfócitos, basicamente
- comprometimento inflamatório predominantemente perivascular
- acometimento da derme superficial e intermediária
- congestão e edema
- espessamento fibroso discreto do conjuntivo
Após reavaliação dos cortes histológicos anteriores e com novos cortes, conclui-se que o quadro histopatológico é compatível com alopecia frontal fibrosante.
O tempo entre a primeira consulta, com vistas a avaliar a possibilidade do transplante capilar, e a cirurgia foi de cinco meses.
Neste primeiro atendimento foi realizada avaliação pré-operatória habitual (anamnese e exame físico) acrescida da confirmação das informações fornecidas através das prescrições e laudos, bem como a confirmação do tempo de inatividade da doença (cerca de dois anos) junto a uma das dermatologistas que a assistiu.
Houve empenho em fornecer o máximo de informações e esgotar os esclarecimentos quanto à real possibilidade de insucesso precoce. Igualmente, foi alertada quanto à previsão de perda parcial ou total ao longo do tempo, mesmo havendo sucesso inicial.
A paciente foi informada sobre o fato de estudos disponíveis demonstrarem predominância de satisfação com os resultados obtidos a despeito da perda parcial observada ao longo de cinco anos(2), por exemplo. Todavia, foi ratificado que estes dados são baseados nos poucos estudos existentes sobre este tema.
O transplante foi realizado utilizando a técnica FUE, punchs 0,8 mm, pré-incisões com lâmina de safira de 1 mm, sendo a duração aproximada do procedimento de 10 horas.
Foram utilizados folículos doadores da região parieto occipital para pequena restauração frontal, restauração das costeletas e ampla restauração das regiões temporais.
- unidades foliculares 1 fio = 883 ----------- fios = 883
- unidades foliculares 2 fios = 1.304 -------- fios = 2.608
- unidades foliculares 3 fios = 820 ---------- fios= 2.610
- unidades foliculares total = 3.007 --------- fios total =6.101
A definição das linhas anteriores, portanto, à extensão das áreas a serem transplantadas foram estabelecidas almejando equilibrar a disponibilidade de unidades doadoras com uma densidade satisfatória na área receptora e o padrão feminino de implantação capilar (foto 2; foto 3).
Foto 2 - Áreas doadoras
Foto 3 - Definição das áreas receptoras
A evolução pós-operatória foi observada até o 6o mês, quando da confecção deste texto. Até este momento, pode ser considerada habitual e esteve associada a alto grau de satisfação manifestado pela paciente. O uso de dutasterida, pimecrolimus e minoxidil tópico tem sido mantido (foto 4).
Foto 4 - Aspecto 6º mês pós-operatório
Conclusão
É evidente o benefício do diagnóstico e tratamento precoce da AFF objetivando minimizar danos físicos e psicológicos, haja vista o caráter irreversível da doença.
Em casos nos quais a perda capilar já implica em repercussões desfavoráveis, o transplante pode ser considerado. Todavia, a definição pela cirurgia deve ser precedida de uma avaliação bastante individualizada, sendo mandatório esgotar esclarecimentos quanto às chances de insucesso ou quanto à provável permanência temporária dos folículos transplantados, a despeito da satisfação descrita na limitada bibliografia disponível sobre este tema.
A divulgação das experiências e dos resultados obtidos na condução da AFF deve ser fomentada com vistas a ampliar conhecimento sobre esta doença e elucidar aspectos ora indefinidos.
REFERÊNCIAS
1- Fitzpatrick’s. Dermatology in General Medicine. 8th edition. 2012;995-998
2- Vaño-Galván S, et al., Hair Transplant in Frontal Fibrosing Alopecia: A multicenter review of 51 patients. J Am Acad Dermatol. 2019 research letter
3- Kossard S, Lee MS, Wilkinson B. Postmenopausal frontal fibrosing alopecia: a frontal variant of lichen planopilaris. J Am Acad Dermatol. 1997;36:59-66
4- Vaño-Galván S, et al., Frontal Fibrosing Alopecia: A multicenter review of 355 patients. J Am Acad Dermatol.2014;70(4);670-678
5- Nusbaum BP, Nusbaum AG. Frontal Fibrosing Alopecia in a man: results of follicular unit test grafting. Dermatol Surg. 2010;36(6):959-962
6- Jiménez F, Poblet E. Is Hair Transplantation Indicated at in Frontal Fibrosing Alopecia? Dermatol Surg. 2013;39(7):1115-1118
Folículo - Edição 24