Complicações

Descrição de caso de linfodenomegalia retroauricular após cirurgia de transplante de cabelos pela técnica de Follicular Unit Extraction (FUE)

Publicado em

05/12/2022

Sandro Navarro Salanitri 1,2
Vinícius Cruz Prieto Silva 1,2
Anna Elisa Nóbrega de Souza 1,2
Christiane Steponavicius Sobral 1,2

1. Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz Unidade Vergueiro
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.

 

Introdução

A cirurgia de implante capilar é considerada de baixo risco, com raras complicações e intercorrências. No entanto, quando qualquer ruído acontece, pode gerar uma enorme repercussão, angústia ao paciente e inclusive ao cirurgião; caso seja algo que ele não tenha visto antes, ou que não tenha sido documentado em artigos científicos.

Dr Sandro, mais uma vez, divide sua enorme experiência cirúrgica e deixa aqui registrado uma intercorrência atípica da cirurgia de implante capilar, com evolução favorável, porém prolongada. Registros como estes tranquilizarão cirurgiões que venham a experimentar uma situação semelhante.

 

Dra. Tatiana Tournieux

Resumo:

A cirurgia de transplante de cabelos pela técnica Folicular Unit Extraction (FUE), para muitos, é a cirurgia de eleição para o tratamento de alguns tipos de alopecia, principalmente a do tipo androgenética. Há poucos estudos sobre complicações decorrentes desta técnica cirúrgica na literatura médica, ao contrário do que ocorre na Técnica Follicular Unit Transplantation (FUT), provavelmente pelo fato daquela ser mais recente. Apresentamos o caso de um paciente que evoluiu com linfonodomegalia retroauricular bilateral pós transplante de cabelos por técnica FUE, que regrediu espontaneamente após 1 ano de cirurgia. Foram realizados exames laboratoriais e de imagem que não elucidaram a etiologia do processo.

Introdução:

Atualmente o transplante de cabelos (TC) pela técnica Folicular Unit Extraction (FUE) é a cirurgia mais realizada no mundo para o tratamento da alopecia androgenética (AA). A técnica Follicular Unit Transplantation (FUT), infelizmente, tem sido cada vez menos realizada, provavelmente em decorrência da maior procura do FUE pelos pacientes além da falta de conhecimento, prática e equipamentos necessários para a realização da técnica FUT por novos médicos e suas equipes). (1)

Como em todas as cirurgias, intercorrências e complicações podem ocorrer, e estas serão mais expressivas dependendo do número de procedimentos realizados pelo cirurgião, uma questão de estatística. A literatura médica sobre intercorrências e complicações da cirurgia de TC com a técnica FUE é pobre, ao contrário da técnica FUT, e tal assunto é de extrema importância para o diagnóstico prévio de possíveis complicações, o que amenizaria os possíveis prejuízos sofridos pelo paciente. (2-7)

O sistema imunológico humano tem a função de reconhecer e combater patógenos no organismos (desde um simples vírus até células neoplásicas malignas). Os gânglios linfáticos são responsáveis por barrar esses patógenos, sinalizando que algo de errado está ocorrendo, aumentando de tamanho acompanhado ou não de dor. Exames laboratoriais que evidenciem processo inflamatório ou infeccioso, sorologias, culturas, antibiograma, métodos de imagem, punções ou biópsias podem elucidar a causa do processo o órgão que acometido que está gerando o processo para o devido tratamento.(8, 9)

O organismo não interpreta uma cirurgia como benéfica, mas sim como uma agressão ao organismo. A tríplice reação de Lewis, dor, calor e rubor, é  frequentemente observada em pós-operatório no sítio cirúrgico. Procedimentos cirúrgicos podem levar a linfonodomegalia, somente pelo processo inflamatório decorrente ao procedimento, que serão autolimitados.(10)

Tal relato de caso descreve um pós-operatório de TC por técnica FUE que evoluiu com linfonodomegalia retroauricular bilateral, que somente regrediram  espontaneamente após 1 ano da cirurgia. O caso foi investigado com exames laboratoriais e de imagem não evidenciando a etiologia do processo, que na opinião do autor foi a agressão cirúrgica do TC. Não há relato na literatura de caso semelhante.

 

Descrição do Caso:

Paciente de raça branca, 34 anos, sem comorbidades ou alergias, negava cirurgias prévias, medicamentos ou vícios. Apresentava AA grau II, área doadora com cabelos espessos, escuros e ótima densidade pilosa. Decidiu realizar cirurgia de TC FUE para correção da AA. Foram solicitados exames laboratoriais (hemograma,coagulograma, glicemia, ureia e creatinina), além de eletrocardiograma, todos se mostraram normais, e o procedimento foi realizado em ambiente hospitalar.

Técnica cirúrgica empregada:

1. Documentação fotográfica
2. Depilação de couro cabeludo
3. Marcação de área doadora e receptora
4. Sedação com midazolam e fentanil aos cuidados do anestesiologista
5. Decúbito ventral
6. Assepsia e antissepsia
7. Anestesia local com xilocaína 20 ml + lidocaína 20 ml, ao redor da área doadora. Infiltração com xilocaína 20 ml + lidocaína 20 ml + adrenalina 1 ml + SF 0,9% 160 em área doadora.
8. Retira das unidades e famílias foliculares com Punch de 0,9 a 1 mm da área doadora demarcada, aproximadamente 1400 enxertos, manutenção destes em sf 0,9% resfriado a 4º graus.
9. Decúbito dorsal.
10. Anestesia local com xilocaína 20 ml + lidocaína 20 ml, ao redor da área receptora. Infiltração com xilocaína 20 ml + lidocaína 20 ml + adrenalina 1 ml + SF 0,9% 160 em área receptora.
11. Incisões prévias com lâmina de 0,5 mm em região receptora demarcada.
12. Enxertia das unidades e famílias foliculares.
13. Curativo.

Paciente teve alta com analgésico se necessário e antibioticoterapia por 5 dias Retirado curativo no primeiro dia pós-operatório e retornos semanais. (figura 1). Nas primeiras semanas, o paciente reclamou de tumoração em região retroauricular bilateralmente. Sem queixas clínicas, apresentava linfonodomegalia de +/- 1 cm retroauricular bilateralmente. Restante do exame físico normal. Área receptora e doadora sem alterações, levantado hipótese diagnóstica de linfonodos reacionais decorrentes do procedimento cirúrgico. (figura 2)

Homem olhando para o lado

Figura 1: Área doadora técnica FUE

Rosto de homem visto de perto

Descrição gerada automaticamente

Figura 2: Linfonodo retro auricular

Com o passar do tempo, não houve regressão da linfonodomegalia. Paciente, por vontade própria, realizou ultrassonografia que confirmou a hipótese diagnóstica. Foram solicitados exames básicos de VHS, PCR e hemograma, que se mostraram sem alterações. Avaliação por infectologia descartou causa infecto-contagiosa.

A evolução da cirurgia ocorreu normalmente, com o eflúvio dos cabelos transplantados e crescimento ocorrendo devidamente após 3-6 meses da cirurgia. Durante o período, foi optado por observar os linfonodos comprometidos, que foram diminuindo progressivamente de tamanho até evoluírem totalmente após aproximadamente 1 ano após cirurgia. Paciente satisfeito com a cirurgia. 

Discussão:

O sistema linfático é um sistema formado por vasos e órgãos linfoides por onde circula a linfa. É um sistema de drenagem auxiliar constituído pela medula óssea vermelha, timo, baço, linfonodos e vasos linfáticos que carregam a linfa drenada para o sistema venoso. (11)

Processos inflamatórios, infecciosos ou neoplásicos serão drenados para linfonodos do couro cabeludo. Topograficamente, os Ductos Linfáticos do couro cabeludo se dividem em:

  • Os da região frontal: que terminam nos Linfonodos Auriculares Anteriores.
  • Os da região temporo-parietal: que vão aos Linfonodos Parotídeos e Auriculares posteriores.
  • Os da região occipital: que terminam parte nos Linfonodos occipitais, e parte nos Linfonodos cervicais profundos inferiores.

Desenho de personagem de desenho animado

Descrição gerada automaticamente com confiança média

 

         Figura 4: linfonodos do Cabeça.

Como já aventado, a literatura médica não faz citação específica do assunto em pauta. Em trabalho científico de 2009, sobre complicações e intercorrências em 533 cirurgias de transplante de cabelos, não é citado caso semelhante. No entanto, tal trabalho avalia somente a cirurgia FUT. Há possíveis motivos que valem ser discutidos: (7)

   1. A cirurgia TC FUT é menos agressiva que a cirurgia TC FUE, visto que a área cruenta criada pelas inúmeras perfurações dos micro punchs é maior que as incisões necessárias para obtenção da fita de couro cabeludo, gerando menos processo inflamatório?
   2. Para a realização da técnica FUE é obrigatório a depilação do couro cabeludo, retirando o cabelo ao contrário da FUT, que pode mascarar o processo.
   3. A não valorização do processo tanto pelo paciente quanto pelo médico, visto que tal linfonodomegalia é de resolução espontânea e rápida, diferente do ocorrido neste caso (que foi duradoura), o que levou a investigação clínica.

Apesar de, na maioria das vezes, a etiopatogenia do processo ser a agressão cirúrgica, não podemos descartar outros motivos para tumorações no área doadora do TC e sua vizinhança.
Devemos lembrar que outras possíveis tumorações podem aparecer durante o pós-operatório de transplante de cabelos: desde pequenos cistos decorrentes de cabelos encravados, até fístulas artério-venosas descritas em literatura. (12, 13) - verifique o artigo “Fístula arteriovenosa pós-transplante de cabelos: Relatos de casos”, publicado em agosto de 2021, na edição 22 de O Folículo. Portanto, para o diagnóstico no caso de dúvida, o melhor exame (menos agressivo) é o USG doppler que pode evidenciar fluxo dentro da tumoração, elucidando o diagnóstico e norteando a terapêutica.

No caso presente, a involução dos linfonodos, apesar de tardia, ocorreu de forma espontaneamente. A avaliação de outros profissionais, sejam infectologistas ou cirurgiões de cabeça e pescoço, pode se fazer necessária, uma vez que outras patologias também podem levar a adenomegalia, comprometendo a saúde do paciente. (9)

Conclusão:

Linfonodomegalia pode ocorrer após TC FUE em decorrência a agressão cirúrgica. Na maioria das vezes, são autolimitadas e se resolvem em curto espaço de tempo. Em casos mais arrastados, devemos investigar outras possíveis causas de tumoração em couro cabeludo, desde as decorrentes do processo cirúrgico propriamente dito, até as causas infecciosas/neoplásicas. Estudos sobre complicações de TC FUE devem ser realizados.

Bibliografia:

1. Lam SM. Hair Transplant 360-Volume 3: Advances, Techniques, Business Development & Global Perspectives: JP Medical Ltd; 2014.
2. Kerure AS, Patwardhan N. Complications in Hair Transplantation. J Cutan Aesthet Surg. 2018;11(4):182-9.
3. Lam SM. Complications in hair restoration. Facial Plast Surg Clin North Am. 2013;21(4):675-80.
4. Loganathan E, Sarvajnamurthy S, Gorur D, Suresh DH, Siddaraju MN, Narasimhan RT. Complications of hair restoration surgery: a retrospective analysis. Int J Trichology. 2014;6(4):168-72.
5. Nadimi S. Complications with Hair Transplantation. Facial Plast Surg Clin North Am. 2020;28(2):225-35.
6. Perez-Meza D, Niedbalski R. Complications in hair restoration surgery. Oral Maxillofac Surg Clin North Am. 2009;21(1):119-48, vii.
7. Salanitri S, Goncalves AJ, Helene A, Jr., Lopes FH. Surgical complications in hair transplantation: a series of 533 procedures. Aesthet Surg J. 2009;29(1):72-6.
8. Chammas MC, Lundberg JS, Juliano AG, Saito OdC, Marcelino ASZ, Cerri GG. Linfonodos cervicais: um dilema para o ultra-sonografista. Radiologia Brasileira. 2004;37:357-64. 
9. Crespo A, Meléndez A, Montovani J, Cavinato J, Odone Filho V. Adenopatias Cervicais. IV Manual de otorrinolaringologia pediátrica da IAPO Guarulhos: Lis gráfica & Editora. 2006:93-101.
10. Balbino CA, Pereira LM, Curi RJRBdCF. Mecanismos envolvidos na cicatrização: uma revisão. 2005;41(1):27-51.
11. Gardner E, Gray DJ, O'Rahilly R, Benevento R. Anatomia: estudo regional do corpo humano. Anatomia: estudo regional do corpo humano: Guanabara Koogan; 1978.
12. Bernstein J, Podnos S, Leavitt M. Arteriovenous fistula following hair transplantation. Dermatologic surgery. 2011;37(6):873-5.
13. LEÃO¹ CEG, Goulart BCT, Fonseca TG, RASSI SP. Pseudoaneurisma da artéria occipital em área doadora de cirurgia de calvície. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;20(1):59-62.

 

Edição 26, artigo 3.

Fonte:

ABCRC

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