Cirurgia de restauração capilar corretiva com uso das técnicas FUT e FUE em prévio transplante capilar mal sucedido: relato de caso
Por Dr. Flavio Abboud e Dr. Ricardo Gomes de Lemos (in memoriam)
Introdução
A alopecia androgenética (AAG) é o tipo mais comum de perda de cabelo progressiva, é considerada uma condição poligenética, com gravidade, idade de início e localização da queda de cabelo no couro cabeludo variáveis entre os indivíduos de ambos os sexos. Geralmente os homens apresentam perda de cabelo envolvendo região temporal e vértex, caracterizando o padrão de “ferradura” (Lolli et al., 2017). A incidência e a prevalência da AAG dependem da idade e da etnia, contudo a literatura mostra que aproximadamente 30% dos homens caucasianos terão AAG aos 30 anos, até 50% aos 50 anos e 80% aos 70 anos (Hamilton, 1951; Severi et al., 2003; Rossi et al., 2016; Lolli et al., 2017; Katzer et al., 2019).
Além dos tratamentos clínicos disponíveis para retardar a progressão da AAG, existem indicações para restauração cirúrgica da calvície. As duas técnicas usualmente empregadas são; 1) Follicular Unit Transplantation (FUT), e 2) Follicular Unit extraction (FUE). O método como as unidades foliculares (UF) são transplantadas para a área receptora pode variar de acordo com a experiência do cirurgião e usualmente os instrumentos utilizados são implanters (afiados ou não), keep, pinças, agulhas, micro lâminas, etc. É importante destacar que o transplante capilar envolve um alto grau de precisão e uma equipe cirúrgica qualificada, além disso, de acordo com alguns autores, esse procedimento requer uma abordagem abstrata e artística para recriar um estilo que pareça natural (Collins & Avram, 2021).
Em algumas situações, ambas as técnicas podem ser aplicadas, como por exemplo quando o paciente já foi submetido a mais de duas sessões de FUT e a partir desse momento, sua área doadora permite um melhor aproveitamento utilizando a técnica FUE. Este artigo apresenta um relato de caso, no qual foram realizadas duas cirurgias com ambas as técnicas citadas para correção de um prévio transplante capilar mal sucedido.
Relato de caso
Paciente T.C.R, 37 anos, sexo masculino, caucasiano. Em maio de 2020 foi atendido pelo Dr. Ricardo Gomes de Lemos na clínica Natural Hair, o qual diagnosticou alopecia androgenética (Classificação Norwood grau 6 em evolução para 7) (Figura 1). Paciente relatou ter sido submetido a transplante capilar (TC) (há aproximadamente 1 ano) em outro serviço, com a técnica FUE. Durante a consulta apresentou foto do pós-operatório imediato da referida cirurgia (Figura 2). Apresentava várias sequelas estéticas, as quais incluíam: linha anterior baixa e com desenho inestético, várias unidades foliculares agrupadas (tufos), além do posicionamento (ângulo e direcionamento) errôneo, tornando essa região grosseira e artificial. Paciente relatou isolamento social com forte abalo emocional após o procedimento.
Devido à insatisfação do paciente, os autores realizaram planejamento cirúrgico para correção e restauração da área maltratada, o qual foi realizado em duas etapas. A primeira etapa compreendeu uma sessão utilizando-se a técnica FUT, com ênfase na zona anterior (realizada pelo Dr. Ricardo Lemos), na qual foram extraídas 2899 UFs. Na mesma cirurgia foi realizada a técnica FUE manual (realizada pelo Dr. Flávio Abboud) na área receptora com o intuito de extrair unidades foliculares indesejadas, realocando-as para regiões mais posteriores (Figura 3), nesse caso, foram extraídas 214 UFs com 2, 3 ou mais fios (com uso do punch 0,9 mm Cole Instruments® customizado). A realocação das UFs foi extremamente importante por algumas razões; 1) Paciente Jovem; 2) Área doadora finita; 3) Calvície avançada e em evolução. Caso o paciente tivesse optado pela epilação à Laser todos esses folículos seriam perdidos. A Figura 4 mostra o pós-operatório de um ano da primeira etapa.
Após 1 ano, a segunda etapa do planejamento cirúrgico foi realizada (Figura 5). Assim, optou-se pela técnica FUE (realizada pelo Dr. Flávio Abboud), com a qual foram exploradas a área doadora do couro cabeludo e da barba. Nessa sessão, foram extraídas o total de 3489 UFs (sendo 2636 do couro cabeludo e 853 da barba), as quais foram transplantadas, priorizando novamente a zona anterior (para melhora do volume) e escalpe médio (Figura 6). A Figura 7 mostra a área doadora da barba onde foram extraídas as UF. Durante essa sessão, novamente foi realizada extração de UFs inestéticas na linha anterior, ainda remanescentes da primeira cirurgia (Figura 8). A Figura 9 mostra o pós-operatório de 1 ano da segunda etapa do planejamento (fotos do arquivo pessoal do paciente, pois o mesmo encontrava-se em tratamento de saúde no período e não pode comparecer à clínica).
A pedido do Dr. Ricardo Lemos, pensando no 3º tempo cirúrgico que seria uma nova FUT, a região doadora, correspondente a uma faixa de 1 cm acima da cicatriz prévia da FUT, permaneceu intacta, como pode ser observado na Figura 10. Contudo, essa terceira etapa ainda não foi realizada devido questões de saúde do paciente, que aproximadamente após um ano da última cirurgia, evoluiu com um câncer de intestino. Atualmente está finalizando o tratamento para a doença, que tem sido bem sucedido, e pretende ser submetido a um novo TC, cujo planejamento terá prioridade na região do vértex.
Agradecimentos:
“Agradeço ao Dr. Ricardo Lemos por todos os ensinamentos profissionais e pessoais que levarei por toda a vida.”
Dr. Flavio Abboud
Referências
Hamilton JB. Patterned loss of hair in man; types and incidence. Ann N Y Acad Sci. 1951 Mar;53(3):708-28. doi: 10.1111/j.1749-6632.1951.tb31971.x.
Severi G, Sinclair R, Hopper JL, English DR, McCredie MR, Boyle P, Giles GG. Androgenetic alopecia in men aged 40-69 years: prevalence and risk factors. Br J Dermatol. 2003 Dec;149(6):1207-13. doi: 10.1111/j.1365-2133.2003.05565.x.
Rossi A, Anzalone A, Fortuna MC, Caro G, Garelli V, Pranteda G, Carlesimo M. Multi-therapies in androgenetic alopecia: review and clinical experiences. Dermatol Ther. 2016 Nov;29(6):424-432. doi: 10.1111/dth.12390.
Lolli F, Pallotti F, Rossi A, Fortuna MC, Caro G, Lenzi A, Sansone A, Lombardo F. Androgenetic alopecia: a review. Endocrine. 2017 Jul;57(1):9-17. doi: 10.1007/s12020-017-1280-y.
Katzer T, Leite Junior A, Beck R, da Silva C. Physiopathology and current treatments of androgenetic alopecia: Going beyond androgens and anti-androgens. Dermatol Ther. 2019 Sep;32(5):e13059. doi: 10.1111/dth.13059.
Collins K, Avram MR. Hair Transplantation and Follicular Unit Extraction. Dermatol Clin. 2021 Jul;39(3):463-478. doi: 10.1016/j.det.2021.04.003.
Figura 1: Pré-operatório da primeira etapa. Paciente apresentando Classificação de Norwood grau 6 em evolução para 7. Visão do topo, áreas receptora e doadora
Figura 2: Imagem do pós-operatório imediato referente ao transplante capilar prévio, mostrando o aspecto inestético obtido. Fonte: Arquivo pessoal do paciente
Figura 3: Extração das unidades foliculares (UFs) mal posicionadas, oriundas do transplante capilar mal sucedido. Todas as UFs foram realocadas em regiões posteriores
Figura 4: Pós-operatório de 1 ano após a primeira etapa, realizada com técnica FUT e FUE
Figura 5: Planejamento cirúrgico para a segunda etapa
Figura 6: Pós-operatório imediato da segunda etapa, realizada exclusivamente com a técnica FUE
Figura 7: Pós-operatório imediato da área doadora da barba
Figura 8: Algumas Unidades foliculares mal posicionadas e ainda remanescentes na linha anterior foram extraídas e realocadas para regiões mais posteriores
Figura 9: Pós-operatório de 1 ano após a segunda etapa. Fonte: Arquivo pessoal do paciente
Figura 10: Mostra a faixa de aproximadamente 1 cm não explorada pela FUE (acima da cicatriz) para realização de uma possível nova FUT.